09 janeiro, 2010

Vida de aparências

Ela não chorou,
pensou em se jogar.
Veio se perder.
Eu vou até o fim.

(Alguém pra mim – Los Hermanos)




Faziam dois anos e quatro meses desde as últimas , sabia disto por que era em Setembro, e certas coisas sempre lhe ocorriam em Setembro ou Outubro...
Quando começaram... veio um pensamento insistente de “que coisa mais idiota eu sou?”... Virou para um lado, virou para o outro, tentou dormir e nada. Tentava segurá-las e nada “quanto idiotismo”, pensou. Ao final de duas horas de tanta movimentação, conseguiu dormir, elas haviam finalmente secado...

***

Raios alaranjados e finos atravessavam as persianas do quarto.
Ela abriu os olhos e fechou novamente, virou para o outro lado e espreguiçou-se...
“Melhor eu levantar”, pensou. Dar um olá ao menos às pessoas, vida de aparências...
Levantou-se num impulso, em poucos segundos já estava lavando seu rosto; mirou o espelho: mas se tem tanta gente que demonstra se preocupar e gostar de mim..., por que ainda sinto que algo ainda falta?, refletia. “São besteiras da minha cabeça”, concluiu enquanto pegava toalha para se secar. O telefone tocava.

- Alô? - atendeu
- Companheira, vamos todos sair hoje, aproveitar o tempo que nos resta! – dizia a voz familiar do outro lado da linha.

Ela sorriu por alguns segundos e concordou, marcaram de sair.
“Ver os amigos e gente nova... é disso que eu realmente preciso” pensava consigo mesma.


***

- Mas você está tão bem! – dizia uma.
- O que andou fazendo? – perguntou outro.
- Quanto tempo! – comentava a outra – Que bom ver que você está bem.

E vários foram os outros comentários, dizeres, entre os amigos que não se reuniam para confraternizar há um certo tempo. Rostos conhecidos e desconhecidos. Tinham amadurecido, crescido, vivido, entre outros verbos conjugados no particípio. E estavam felizes, ao menos aparentavam, dentes a mostra, risos desperdiçados; aparentavam felicidade.


***

E assim foram os dias seguintes.



Numa bela noite quente, ela degustava uma taça de vinho branco – depois de muito mirá-la.
A vida... é algo peculiar. Que pode correr por nossos dedos... é algo que não se sabe de onde começa, e não se sabe onde termina... começa de onde termina, do nada. Por isso é bom aproveitá-la, por mais que nos doa as vezes,... Pensava.
Depois da garrafa de vinho branco, resolveu terminar a de uísque, acompanhada do vidro de calmantes que estava numa gaveta do quarto há um certo tempo.
Pois vamos aproveitá-la gritou para as paredes vazias da casa, Não importa o que aconteça vamos aproveitá-la, a dor é relativa, assim como o prazer. São as metades da mesma moeda, têm começo meio e fim, será? Será que a dor tem fim? Por analogia sim, pois o prazer tem fim, é constituído em sessões, mas e a dor?Ela não vem em sessões como o deleite, ela vem como uma tormenta violenta, um tornado na verdade, que devasta tudo... se menos levasse embora, mas não o tornado apenas devasta, bagunça, deixa as coisas ali, porém bagunçadas, o que é pior pois tentamos depois reconstruir algo em cima do que está acabado, arrasado... É mais fácil construir quando não há nada, nem pensamentos, nem sentimentos, nem sensações, do que reconstruir onde há essas ‘coisas’, porém bagunçadas... Então, a dor é como o tornado... na verdade pior, pois além de bagunçar, dói, lateja, é dor... simples, ser... Os comprimidos podem acalmar a dor do corpo, os nervos, mas e a dor da alma...? Essa maldita dor que venho tentando esconder de todos e até de mim, a pior mentira é aquela que se conta pra si mesmo - dizem... mas não me importo, venho tentando mentir para mim mesma há tempos... porém nem para isto eu presto, qual é a minha funcionalidade então? Não consigo mentir para mim, preciso aprender como fazer isto... mentir para os outros é fácil, sorria, sorria, mostre seus dentes... agora por dentro... Mas quer saber, deixarei de pensar besteiras! Vamos viver, viver e viver ! , esta ultima frase foi gritada. Saiu da casa, meio desorientada, os comprimidos fizeram efeito, estava dopada, meio sem sentidos... Viu ao longe luzes pequenas que se aproximavam, de repente sentiu-se lançada para o alto – estaria voando, parecia tão livre... E depois uma forte dor na cabeça, tão forte que esquecerá das demais...

Aí deixou de existir, deixou de ser matéria orgânica... Para ser algo em outro lugar... Viveria talvez, mas em outro lugar...


Como pode alguém sonhar
O que é impossivel saber?
Não te dizer o que eu penso
Já é pensar em dizer
e isso, eu vi,
o vento leva!
Não sei mais
sinto que é como sonhar
que o esforço pra lembrar
é a vontade de esquecer...

(Los Hermanos)

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