12 setembro, 2011

Cidade dos Rejeitados

Estive andando por aí, passei por alguns pontos de São Paulo. Praça da Sé, largo São Bento, Av. São João. Mas nenhum me chamou tanta atenção dessa vez, quanto a Cracolândia. Mas o que poderia chamar tanta atenção nesse ponto de sofrimento? Apenas uma frase, um recado escrito nos muros rachados daquele lugar, dizia dessa forma, com os devidos erros gramaticais, " Não estou tão feliz quando você pença, mais estou melhor que você espera". Isso me fez refletir, que mesmo no meio de toda essa podridão, ainda existe fé, não aquela fé divina, mas fé de vencer, acreditar e lutar, de não deixar o sofrimento abater e arremessar as esperanças para longe.

Muitas pessoas levantam todos os dias resmungando, dizem que não tem roupa nova, que só tem pão com manteiga no café da manhã, que terá de pegar o ônibus para trabalhar, que está muito frio lá fora... Frio? E aqueles que passaram a noite na rua, tem o direito de reclamar do frio? Não, esses não têm sequer o direito de tomar um banho, de ter um café quente todas as manhãs, nem sequer tem o direito de uma espectativa de vida melhor, mas a fé e a vontade de vencer o sistema é maior para esses guerreiros de ruas.

Dizem que lar é onde seu coração está, mas que contradição é essa, porque os corações não batem da mesma maneira?

Dizer que estas pessoas são vítimas de algo divino não me soa coerente. Dizer que estão pagando por algo que aconteceu "talvez" em uma outra vida, não me faz crer nessa injustiça... Estes cidadãos são vítimas de um sistema mau organizado feito somente com a intenção de lucrar. Pouco importa as milhões de vidas que são exploradas para que as metas "capitais" sejam conquistadas. A ganância de um ser humano faz com que ele vire o rosto para o do lado e deixe seus princípios éticos e morais para segundo plano.

Dessa maneira apenas gostaria de saber quando o ser humano vai parar de se importa com os bens materiais, e dará valor a vida humana...

Texto por: Leandro Romano

12 agosto, 2011

E, aos poucos, eu fui quebrando todas as regras imaginárias impostas por mim: não se importar, não sentir, não querer - e a principal - não chorar.

08 agosto, 2011

A tendência é piorar.

Há coisa pior do que perder-se em si?
Não responda pois certamente há. Entretanto, quando se está assim pensamos que não existe coisa pior. Isso quando nossos pensamentos nos permitem tomar conhecimento de tal estado, tendo em vista que nem todas as pessoas que perdem dentro de si têm consciência disso. Ora, mas veja, o que fazer quando estamos perdidos dentro de nós mesmos e nem sabemos que é essa a causa da nossa angústia?
Deslocados e confusos dentro de nossos pensamentos, vontades, desejos, ações, planos... Repentinamente uma onde de incertezas e maus sentimentos apossa-se. O que era, até então, sólido, sublima-se, vira vapor ou qualquer coisa no estado gasoso, de moléculas bem afastadas... Só que de uma maneira bem mais rápida do que a naftalina no armário. Em um minuto estávamos em terra firme, um segundo depois despencamos de um despenhadeiro em que não sabemos onde começa e onde termina (hm, talvez estejamos voando no céu..., bem no alto... mas a impressão não é essa)...

O que fazer?

06 julho, 2011

Não-pensar

Quem já leu ou viu o filme 1984, de George Orwell, perceberá que me inspirei nele para rabiscar este.


- Não, eu não quero – ela mentiu.

- E se tudo voltasse a ser como antes? – indagou o outro.

- Mesmo assim eu não quero – ela disse, embora no fundo seus pensamentos fossem contrários à suas palavras.

Estava sendo testada por um funcionário e sabia disso, por isso mantinha a calma e frieza, para que não descobrissem as dúvidas que ainda a cercavam. Na verdade, ela não sabia se queria ou não. Aprendera a não querer, não sentir, não perguntar e não pensar – se bem que este último era o mais difícil, ainda tinha dificuldades para deixar de pensar, já que nascera na outra época, quando tais coisas eram livres, permitidas. Estas eram as regras do novo sistema, da nova época. As pessoas que nasceram antes foram reeducadas para segui-las e, a fim de garantir a eficiência, o governo vez e outra testava os indivíduos através de um funcionário. Como acontecia agora.

Há quarenta minutos a mulher de pele clara e longos cabelos escuros presos em um rabo-de-cavalo, entrara na pequena sala de paredes cinzas e sentara na cadeira – único móvel existente, ao centro. Durante todo esse tempo mantivera a expressão serena e fria; indiferente às perguntas do funcionário de macacão cinza, um homem velho e baixo, de severa fisionomia. Os funcionários suspeitavam das pessoas que sorriam ou eram inquietas. Caso desconfiassem de alguém, a pessoa era enviada para o treinamento, a reeducação dos princípios básicos: os quatros “não”.

Ela não teve dificuldade para se adaptar às duas primeiras regras, pois nunca teve fortes laços familiares ou afetivos. Antes do sistema morava com sua família, mas não era sentimental, nem carinhosa; na verdade até era, mas não podia demonstrar. Falava apenas o essencial. Com a chegada do novo governo, as pessoas foram separadas de seus familiares, cada um em sua “casa”, exceto as crianças pequenas e dependentes. A intenção era desfazer qualquer laço familiar, inibir os sentimentos, arrancá-los das pessoas. Uma das desculpas usadas pelos governantes era que as emoções traziam mais dor e prejuízo do que benefícios. Amizade, amor, compaixão, carinho, entre outras sensações causavam – de um jeito ou de outro – lágrimas, tristeza, desespero, preocupação, angústia e uma série de coisas ruins. Segundo a lógica do sistema, perder tempo com tais coisas era bobagem; o trabalho valia mais.

Ao ouvir pela primeira vez tal raciocínio ela concordou imediatamente, lembrava-se de dias que passara chorando ou preocupada com alguma coisa, com alguém. “Tempo gasto inutilmente”, concluiu. Desacostumou-se a conviver com as pessoas, preferia estar sozinha, apenas no trabalho se aproximava de outros humanos, porém não falava mais do que o necessário. Não nutria nenhum tipo de sentimento por nada, ninguém. Desse modo, seguia as regras de não querer e não sentir.

A terceira lei ligava-se à quarta. Pensamentos eram proibidos, sobretudo aqueles ligados ao porquê das atitudes do novo governo e porquê obedecê-las. Os cidadãos não deviam refletir, pois tal atitude levava a duvida, ao questionamento. O que era perigoso, colocava em risco à ordem, gerava conflito. Contudo, seguir as duas últimas regras era difícil. Ter controle sobre os próprios pensamentos parecia impossível. Segundo o governo, se as pessoas trabalhassem o dia todo, seria mais fácil. Elas chegariam em casa cansadas demais e dormiriam profundamente, repondo as energias para repetir o processo no dia seguinte. Assim, não teriam tempo para pensar. Havia até incentivos para os indivíduos se esforçarem, periodicamente havia testes e os aprovados ganhavam recompensas, como alimentos ou objetos.

Ela se esforçava demais para não pensar, mesmo assim, eventualmente, algumas dúvidas e lembranças invadiam sua mente. Nessas horas, sentia-se fracassada e envergonhada por não cumprir a lei.

- Mas durante o antigo governo, havia uma pessoa com a qual você se importava, correto? – perguntou o funcionário enquanto lia um papel que tinha nas mãos, provavelmente a ficha completa da moça.

- Sim – respondeu, não adiantava mentir nesta questão, pois eles tinham a ficha toda dela. Quais eram as pessoas próximas a ela, os locais que freqüentava, etc. O governo sabia tudo sobre o passado de seus cidadãos.

- E você sabe o que aconteceu a essa pessoa?

- Não, senhor.

- E você tem alguma ligação com essa pessoa?

- Não, senhor.

O velho estava de pé, em frente à mulher que estava sentada. Pela primeira vez desde que começara o teste, riu baixinho e disse:

- Não precisa me chamar de senhor o tempo todo, eu sei que pareço velho, mas me sinto incomodado. – sorriu. A outra permanecia inalterada, sabia que aquilo fazia parte da tática deles. Se ela sorrisse ou fizesse qualquer comentário, seria reprovada e a encaminhariam para a reeducação. – Mas me diga, você e essa pessoa tinham alguma coisa, não? Você como uma bonita jovem...

- Senhor, se teve alguma coisa foi durante o antigo governo. – retrucou friamente.

- Mas se tal pessoa aparecesse...? – o velho soltou um riso malicioso e piscou para ela – Você teria uma recaída, não? Ou será que tem uma nova pessoa ocupando o lugar da antiga?

- Para todas as perguntas feitas agora a resposta é não.

- Mas mesmo se houvesse a oportunidade de você se aproximar de alguém...? – ao dizer isso, ele tocou o rosto dela, que logo se desvencilhou.

- Senhor, por favor, não se aproxime. – aquilo também era uma artimanha do governo, os funcionários tentavam se aproximar para garantir que o indivíduo realmente não gostava e não queria aproximação com os demais; intimidade.

- Mas e se tal pessoa aparece na sua frente, em uma situação difícil, o que você faria? – continuou o homem.

- Nada. O que acontece com os outros não me interessa. – ela era esperta. Sabia que na nova época era abominável que as pessoas se preocupassem umas com as outras, tentassem se ajudar. Somente o governo podia “ajudar” e quando quisesse.

- Sabia que algumas regras mudaram? Por exemplo, se alguém for pego mentindo será castigado e, em alguns casos, até algo mais grave pode acontecer... Se as pessoas forem sinceras, irão automaticamente para a reeducação, mas sem castigos... Isso te preocupa?

- Não, senhor. Eu falo a verdade, então acredito que não preciso me preocupar.

- Está certo você tem toda a razão.

A pessoa em questão realmente foi importante para a moça durante a outra época. Inclusive foi o que a impulsionou a aceitar e seguir as novas regras de não querer e não sentir, e se esforçar para não pensar. Era comum que seus pensamentos corressem soltos e lhe trouxesse à lembrança de tal pessoa e, conseqüentemente, de sua família, seus colegas e toda a sua vida antes da nova época. Por mais que lutasse, no fundo chegava a sentir uma dorzinha fraca e uma espécie de saudade. Ou seja, desobedecia todas as regras por causa dessas memórias. Daí o desejo incessante de controlar os pensamentos. Dedicava-se ao trabalho para esquecer do resto, ignorar; acreditava nas palavras do governante maior: o trabalho estava acima de tudo. Gastar tempo com algo além era desperdício.

- Senhor, posso fazer um pedido? – perguntou repentinamente.

O homem levantou as sobrancelhas, com um ar desconfiado.

- Você sabe que perguntas não são permitidas. Mas diga o que quer.

- Me encaminhe para a reeducação, por favor. Quero aprender a controlar os pensamentos. Juro que tentei seguir os conselhos do governo em relação ao pensar, mesmo assim não consigo ter o controle pleno e deixar de pensar às vezes. Preciso aprender, conseguir, por favor, me encaminhe para o treinamento.

O homem se espantou com tal pedido e uma ruga formou em sua testa, mas logo, suas feições suavizaram-se e ele respondeu com uma voz acolhedora, diferente do que tinha sido até agora:

- Se você insiste, claro que eu faço isso. O governo apóia a vontade própria, o esforço de querer aprender e seguir os princípios básicos. Vamos agora mesmo assinar seus papéis e te orientar ao setor responsável. – disse enquanto abria a porta.

A jovem levantou da cadeira e saiu da sala junto com o funcionário.

Ela almejava atingir o não-pensar, só assim conseguiria não-querer, não-sentir e não-perguntar. Seria livre de pensamentos e sensações, presa à coisa alguma.